Não é somente por causa de Real Madrid e Barcelona que a Espanha atualmente dita o ritmo do futebol mundial.
Desde a Copa do Mundo de 2006 que muitos clubes espalhados pela terra do rei Juan Carlos têm revelado craques e jovens jogadores com enorme potencial para as suas seleções nacionais.
Com isso, o trabalho realizado nas categorias de base espanholas é reconhecidamente considerado um dos melhores do mundo e tem gerado bons frutos dentro de campo. O último feito das canteras, por exemplo, foi a conquista do campeonato europeu sub-21, no último mês de junho.
"A qualidade dos cursos para técnicos de futebol em nosso país é excelente e muito completa, sem querer menosprezar o trabalho de formação realizado em outros países. Na Espanha, temos uma abordagem desde a gestão de grupo até o profissional do scouting, passando pela formação em programas de informações, que nos ajudam a controlar melhor todos os aspectos da equipe e com ele melhorá-los continuamente", justifica Francisco Navarro Primo, treinador da base do Valencia, em entrevista exclusiva à Universidade do Futebol.
Treinador de futebol desde 1992, Francis Primo, como é popularmente conhecido no meio do esporte, afirma sempre focar a sua metodologia de treinamento no aspecto tático da equipe.
Ele aponta que a integração das atividades em uma metodologia global de treino e o fato de fazer os jogadores a vivenciarem nos treinamentos aquilo que posteriormente vão enfrentar nas partidas são algumas das razões para o sucesso espanhol no futebol.
"As equipes iniciantes não jogam no modo 11 contra 11, jogam apenas em campos reduzidos e com, no máximo, 8 jogadores por equipe. O resultado não deve ser o fundamental, penso que se deva primar pela formação do jogador. Mas, nos jogos 11 contra 11, que acontecem a partir das categorias infantis de 12 e 13 anos, o jogador deve ir tomando consciência do resultado, tornando-se uma parte importante dessa formação", completa.
Nesta entrevista, concedida por e-mail diretamente de Valência, Francisco Primo ainda falou sobre seus métodos de trabalho e as diferenças entre o futebol brasileiro e o jogo praticado na Europa.
Confira a íntegra:
Universidade do Futebol – Como foi sua trajetória profissional até chegar às categorias de base do Valencia?
Francisco Primo – Em primeiro lugar, gostaria de comentar que a escola na qual eu tenho treinado nestas duas últimas temporadas é a Escola Crack de Futebol, a segunda Escola do Valencia CF SAD.
Cheguei em novembro de 2011 para assumir o comando de um projeto que me parecia muito interessante como era treinar uma equipe de jogadores chineses que, por meio de um intercâmbio com o clube chinês Dalian Shide, estavam em Valência durante toda a temporada. Isso fez que, nesta última temporada, eu tenha continuado na Crack dando treino no sub-18, a segunda equipe da escola.
Nesta temporada, não vou permanecer ali, quero trabalhar em outros projetos. Comecei a treinar no ano de 1992, desde o sub-18 até as equipes profissionais, conseguindo três acessos em campeonatos regionais com equipes desta última categoria.
Cheguei a ser eleito o melhor treinador pelo Comitê Regional de Treinadores Valencianos. Aqui na Espanha, realizam-se três cursos para poder ter o título de treinador nacional.
Meu trabalho como treinador é conseguir que cada um dos jogadores tenha claro sua importância dentro do grupo, para que, semana a semana e partida a partida, a equipe saia beneficiada, revela
Universidade do Futebol – Qual a sua avaliação sobre o nível dos jogadores do Valencia e em relação à estrutura de trabalho?
Francisco Primo – Como de costume, a Escola do Valencia CF SAD tem um grande nível, é uma das melhores da Espanha. O alto nível de seus jogadores faz com que, anos após ano, tanto a nível regional quanto nacional, suas equipes ocupem as primeiras posições nas respectivas competições que participam.
Em termos de estrutura, ultimamente, sempre está sujeita a mudanças contínuas, produzidas pelo Conselho de Administração do Valencia, que têm limitado a direção da escola com estas contínuas trocas que dificultam um melhor trabalho.
Universidade do Futebol – Como você avalia a evolução do seu trabalho com o grupo de atletas do Valencia?
Francisco Primo – Meu trabalho à frente desta equipe tem sido muito produtivo. No começo de temporada, marquei, desde a escola, alguns objetivos que tenho conseguido atingir de sobra, fora os objetivos que eu como treinador sempre me marcam e que me ajudam a ser sempre o mais competitivo possível e a conseguir de meus jogadores que deem sempre o máximo, pelo seu bem e pelo bem do clube.
O treinador tem de preparar os jovens, pois ao se transformarem em jogadores profissionais em um curto espaço de tempo, as exigências mudam muito. Por isso, eles devem estar preparados física e mentalmente, aponta
Universidade do Futebol – Fale um pouco sobre sua metodologia de treinamento com os jovens e os objetivos traçados. De que maneira o aspecto psicológico está presente em sua filosofia de trabalho?
Francisco Primo – Como havia falado anteriormente, as equipes da base que eu sempre treinei foram das categorias sub-18 e, na metodologia de meu trabalho, tudo é marcado pelo aspecto tático, todos os meus treinamentos estão pautados no aspecto tático da equipe. As tarefas a serem realizadas estão todas integradas em uma metodologia global, ou seja, sempre tento fazer com que o jogador vivencie nos treinamentos aquilo que posteriormente ele vai viver nas partidas.
Evidentemente, como treinador, a primeira coisa que tem de saber é com quem está trabalhando. Ao tratar-se de equipes sub-18, trabalhamos com jogadores que estão, todavia, em fase de formação como pessoas e com tudo o que os afeta, ou seja, estudos, amizades, separação dos pais, etc.
Por isso, deixando de lado a figura do treinador, nestes momentos você tem de ser pai, amigo, psicólogo, etc, mas sempre devendo saber que primeiramente você é o treinador deles.
Tem de prepará-los para que se deem conta de que, a maioria deles, irá se transformar em jogadores profissionais em um curto espaço de tempo e as exigências vão mudar muito, devendo estar preparados física e mentalmente.
Universidade do Futebol – E a percepção tática do jogo de futebol: como isso se insere nos treinamentos do Valencia?
Francisco Primo – Em todo o meu trabalho, a marca é o aspecto tático da equipe. As tarefas que realizamos são encaminhadas ao conhecimento exaustivo por parte de todo o grupo, do sistema que utilizamos e de suas variantes tanto ofensivas quanto defensivas, que fazemos quando temos a posse de bola.
Mas, dependerá muito da qualidade técnica dos jogadores. E também o que fazemos quando não temos a temos, fatores como onde, quando e como vamos pressionar a equipe adversária para roubar-lhes a bola ou provocar um erro da mesma e, assim, seguir atacando.
Universidade do Futebol – Qual é a grande diferença do que ocorre em um treinamento e em um jogo nesta etapa da formação?
Francisco Primo – Procuramos que esta diferença seja a mais insignificante possível, que todas as tarefas que se realizam em um treinamento, se pareçam, ao máximo, ao jogo real, ao que o jogador vai viver em uma partida. Para conseguir isso, porém, o nível de concentração dos jogadores deve ser o máximo.
Obviamente, há a questão dos campos, árbitros, pais, etc, aspectos que não se pode dominar 100% e que, por isso, não merecem que se perca muito tempo com eles. O mais importante e, por conseguinte, o que trabalhamos, é tudo aquilo que nós vamos ser capazes de fazer para ganhar um jogo.
Uma das grandes promessas do futebol espanhol atual, o meia Isco, recém-contratado pelo Real Madrid, foi revelado nas categorias de base do Valencia.
Universidade do Futebol – Como você costuma gerir o grupo pensando de modo coletivo, em especial no tratamento aos atletas reservas e/ou menos utilizados nos jogos?
Francisco Primo – Todo o grupo deve saber o que é que o treinador quer deles, como quer que ataquem, como quer que defendam, qual é, em definitivo, a sua ideia de futebol e de equipe. Deve existir um conceito geral e inalterável, que deve dominar todo o que fazemos e que cada jogador vai identificar de uma maneira distinta.
Cada um deles tem características e qualidades distintas, não são todos iguais tecnicamente nem têm a mesma inteligência tática ou estão dentro de um processo formativo.
Meu trabalho como treinador é conseguir que cada um dos jogadores tenha claro sua importância dentro do grupo, para que, semana a semana e partida a partida, a equipe saia beneficiada.
No entanto, é difícil e complicado conseguir isso. Mas, temos de convencer o jogador que atua vinte minutos atuar sempre ao máximo nível. Com isso, na próxima partida, em vez de vinte, o técnico poderá dar quarenta minutos a este mesmo atleta.